sábado, 8 de dezembro de 2007

"Simon says..."

É isto que apetece dizer depois de ler o livro do Simon, "Simon says..." . Não por ser uma referência reconhecida, ao qual foi atribuído um Nobel, mas pela pura genialidade e simplicidade, das suas ideias. Há algum tempo que não lia um autor com quem me identificasse tanto.

O génio de Simon, como de tantos outros nomes célebres na história da humanidade, está na sua capacidade de relacionar dados, eventos, informação dispersa, com maior ou menor interrelação aparente e, com base em tais ligações, atribuir significado a contextos específicos, que até, então, pareciam inexplicáveis.

Esta pode ser uma definição plausível de inteligência, ou seja, a capacidade de interrelacionar eventos (informação) e a partir daí, estabelecer teorias para explicar fenómenos da realidade. Foi isso que Newton, Einstein, Pedro Nunes e tantos outros fizeram ao longo dos milénios passados: estabeleceram relações entre factos observados e, a partir de tais conexões, estabeleceram modelos de compreensão da realidade que utilizaram para explicar o comportamento de determinados fenómenos.

É esta definição de inteligência a que Simon nos transporta ao longo do seu livro. Ainda que, numa esfera, aparentemente condicionada pelo ambiente organizacional, estabelece, na minha opinião, um conjunto de conceitos de decisão universais. Um conjunto de conceitos generalistas que extrapolam a realidade organizacional e que são aplicáveis às mais diversas áreas de decisão, se não a todas. No caso específico deste mestrado, ajudam a clarificar o conjunto de conceitos que ajudam a definir o teor da disciplina que hoje é apelidada de Business Intelligence (ou SIAD no nosso caso específico).

Quais esses conceitos ? Bom, o um dos conceitos-chave é o da racionalidade limitada, ou bounded rationality. Este conceito pressupõe que a racionalidade na decisão implica o conhecimento absoluto de todos os factores que a condicionam, de todas as alternativas de decisão existentes e ainda, de todas as consequências possíveis inerentes à escolha de uma alternativa específica. Nesta acepção, apenas um deus omnisciente poderia atingir a racionalidade absoluta, correndo riscos de entrar em "loop".

De facto, a racionalidade absoluta no contexto da decisão não existe. Ainda que, num momento específico do espaço temporal, a selecção de determinada decisão poder ser correcta, única, universal, tal não implica que, no futuro, a mesma não se venha a demonstrar inadequada e obsoleta. O que necessitamos, então para tomar uma decisão ? De limites ! De algo que condicione este intervalo infinito de hipóteses de decisão. Como estabelecer tais limites, então ?

Bom, tais limites são condicionados, para além das nossas próprias limitações de processamento de informação, por aquilo em que acreditamos e valorizamos. No contexto das empresas, tais valores são os da organização, no contexto pessoal, estes valores são os do indivíduo. E em ambos os casos, tais valores foram condicionados ou limitados, tanto pelo contexto colectivo, o da sociedade, como valor máximo abstracto do colectivo, como pelas vivências individuais dos indivíduos que gerem as organizações.

Como os nossos valores, organizacionais ou individuais podem ser multíplos, há que os ordenar em termos de importância, estabelecer hierarquias que nos ajudam a tomar a decisão, atribuir-lhes pesos ou valores que ajudam a seleccionar uma decisão A ou B. Há que atribuir valor à decisão. Este contexto há muito que está estabelecido no contexto do estudo da decisão, no âmbito dos modelos de cariz matemático mas, ainda assim, fazem todo o sentido no âmbito da tomada de decisão.


A definição de valores hierárquicos ajuda-nos a perceber quais as alternativas de decisão que estamos ou não estamos dispostos a aceitar, que alternativas são mais ou menos racionais - quando valorizadas à luz dos nossos valores. Segundo esta máxima, Simon afirma que não existem decisões correctas ou incorrectas, pelo menos, não de uma forma absoluta. Existem sim, decisões que são correctas ou incorrectas, racionais ou irracionais, à luz de um conjunto de valores que assumimos.


Uma vez definidos os limiares que definem a racionalidade das decisões, há que ter em conta a nossa capacidade para perceber e detectar os problemas. E nesta matéria, Simon introduz, novamente dois conceitos importantes- o da percepção e o da atenção.

Ainda que os valores objectivo para a resolução de determinado problema sejam os mesmos, ainda assim, muitas vezes se chega a decisões diferentes. Esta dissemelhança de escolhas deriva, em parte, da nossa diferente capacidade de percepção, ou seja, da forma como representamos o problema em mãos.

A representação dos problemas, tal como Simon a define, é uma das áreas mais importantes para a tomada de decisão e está fortemente relacionado com o conceito de percepção. Os modelos ajudam-nos a "arrumar" o conhecimento que possuímos sobre o problema em mãos , ou seja, a definir a forma como as peças do puzzle se encaixam. Esta leitura pode ser comparada ao da modelação dimensional, se se considerar que os níveis de percepção resultam, na prática, do conjunto de dimensões que precepcionamos no âmbito de determinado problema. As diferenças de percepção resultam, então, do maior ou menor número de dimensões que atribuímos ao problema, e ainda, das leituras que fazemos dessas dimensões.

Essa percepção é condicionada não só pelo conhecimento existente, a informação disponível, mas também, pela atenção que disponibilizamos aos dados em si. No contexto de um problema de decisão, a nossa atenção é orientada para determinadas peças em detrimento de outras. O porquê de tais discrepâncias resulta, segundo Simon, da forma como construímos os nossos modelos, do conhecimento que já possuímos sobre problemas similares. Em função de tal conhecimento, a nossa atenção, que tal como a nossa racionalidade é limitada, é orientada de maneiras diferentes. Daí a possibilidade de, perante critérios de valoração similares, serem seleccionadas alternativas diferentes.

Podemos então estabelecer uma relação entre a percepção e a atenção: a nossa percepção condiciona a informação a que damos atenção e daí a razão de serem obtidas soluções distintas para problemas idênticos,

Os modelos mentais, a forma como encaixamos as peças de um puzzle pode ser considerada como a representação da inteligência, a forma como se estabelecem as relações entre as peças , de como se encaixam. Isto leva-nos ao capítulo final da tomada de decisão, ou seja, a concepção e escolha de opções concretas de decisão. Neste capítulo, Simon não apresenta uma metodologia universal de resolução, nem o pretende. Ainda assim, Simon define um critério de avaliação dos problemas em função da estruturação de conhecimento que lhes está subjacente. Segundo esta classificação os problemas são ordenados num eixo cujos extremos são:

- os problemas estruturados, ou seja, problemas para os quais possuímos conhecimento sobre os impactos que produzem, bem como, das alternativas de resolução para os mesmos, embora possamos não saber a forma ideal de os resolver;

- os problemas não estruturados, ou mal-estruturados, problemas para os quais o conhecimentos dos impactos é desconhecido ou reduzido e para os quais existem poucas ou nenhumas concepções de resolução.


Este conceito é importante para ajudar a relacionar os diferentes sistemas de apoio à decisão com os problemas em mãos. Diferentes tipos de problema, condicionam o tipo de sistema que utilizamos para o resolver. Se para problemas mais estruturados podemos recorrer a abordagens mais sistematizadas e organizadas, no caso de problemas mal estruturados teremos de recorrer a abordagens menos sistematizadas e com maior abstracção. A selecção e definição dos tipos de metodologia utilizadas para os diferentes tipos de problemas, não é focado por Simon de uma forma exaustiva, ainda assim, nada leva a crer que atribua diferentes pesos ou utilidades a uma ou outra metodologia.


Conclusão:


Considero, então, que Simon funciona como um Sistema Integrado da Teoria da Decisão, daí a importância que atribuo à sua obra. Simon ajuda a juntar as peças do puzzle que é a teoria da decisão. Não só ao ajudar a definir o que deverá ser a Business Intelligence, como a arrumar todos os diferentes tipos de SAD's sobre uma única árvore, ainda que percepcionando e aceitando a sua diferença face aos diferentes tipo de contexto existentes.
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Mediante os conceitos de Simon, ajustei a definição do que é que é para mim a Bussiness Intelligence, ou um SIAD, conforme se deseje:


Minha definição de Business Intelligence/SIAD:

"Modelo de conhecimento que uma organização detém do ambiente em que se insere e que a ajuda a detectar problemas e oportunidades para o seu desenvolvimento e sobrevivência e a conceber, valorizar e seleccionar alternativas para a sua resolução ou aproveitamento."

Explicação da definição seleccionada:

Esta definição integra os principais conceitos de Simon, numa única definição, tendo em conta que a inteligência de uma organização:

- é a base para compreender e desenhar processos de negócio , ou seja, o modelo que a empresa detém do ambiente que a rodeia e que utiliza para definir e ajustar a sua estrutura organizativa, em função da percepção das variáveis , e seu relacionamento, que maior impacto possuem para o seu desenvolvimento e a sua sobrevivência;

- auxilia a detecção de eventuais problemas e oportunidades para o seu desenvolvimento e sobrevivência, orientanto o foco da sua atenção sobre os objectivos que pretende atingir, e, consequentemente, o ajuste contínuo dos seus recursos, e estimula a sua capacidade de percepção a mudanças não previstas, ou seja, a fenómenos não explicados pelo seu modelo de conhecimento ;

- constitui-se, ainda, como o principal alicerce para o desenho de alternativas que ajudem a concretizar as oportunidades que surgem e a resolver ou minimizar os problemas detectados. No âmbito deste processo, a inteligência organizacional é utilizada, não só, para desenhar soluções alternativas como, também, para antecipar os seus impactos em termos dos valores da organização e, como resultado, a ordená-las por ordem de importância (face à hierarquia de valores organizacionais existente). Para os processos de desenho e simulação a organização recorre ao conhecimento estruturado que detém sobre a questão em análise, como ponto de partida para sua definição e resolução. O processo de selecção é condicionado pela racionalidade organizacional, ou seja, os valores e objectivos que empresa definiu como critérios de avaliação das decisões organizacionais.

2 comentários:

Zézinha_Trig disse...

Maravilhoso artigo que diz imenso sobre a tua maturidade! Obrigado Pedro, vou recomendar aos alunos a sua leitura.

Anónimo disse...

Caro,

Pesquisando sobre valores universais, cheguei a seu blog e, nao fosse a urgencia de elaborar um trabalho, me perderia nesta leitura por algumas horas. Parabens pela forma convidativa com que te expressas e, por gentileza, me dê licença para adicionar o Mind the Gap* a meus favoritos?

* muito boa metafora!
Vanessa Batista (vbatista@heringnet.com.br)